O parto normal, muitas vezes visto como perigoso no Brasil, é cercado por mitos e desinformação. Neste artigo, compartilho minha visão sobre a importância de desmistificar o parto vaginal, promovendo uma abordagem mais humanizada e baseada em evidências científicas. Além de criticar a elevada taxa de cesáreas no país, reforço a necessidade de garantir que as gestantes tenham autonomia nas decisões sobre seus corpos, sempre com foco em práticas seguras e eficazes.
Há anos observo o cenário da obstetrícia no Brasil.
E uma das maiores distorções que vejo é a percepção de que o parto normal é perigoso e envolto em muitos mitos.
Por esta razão venho sentindo a necessidade de falar um pouco mais sobre este tema porque apesar da informação estar disponível ela ainda precisa ser lapidada. E de um certo modo essa visão de parto perigoso e violento é muito alimentada pela mídia. Quantas vezes não vemos filmes e minisséries retratando o parto como algo assustador, cheio de dor e sofrimento? A própria classe médica ajuda a perpetuar este ciclo com frases do tipo: para quê sentir dor, ignorando tantas histórias de sucesso que acontecem todos os dias em maternidades ao redor do país e do mundo. Histórias construídas a partir de uma escuta atenta às vontades e desejos das gestantes, alinhado com o que a ciência tem de melhor para garantir a estas pessoas um parto digno e seguro.
É fundamental falar abertamente sobre a segurança e os benefícios do parto vaginal. O parto é uma experiência única e cada mulher deveria vivê-la com confiança e acolhimento, não com medo.
É hora de desmistificar o parto normal e focar em uma abordagem mais humanizada e respeitosa.
Convido meus colegas e todos os profissionais de saúde a refletirem sobre nossas práticas. Precisamos garantir que as mulheres recebam informações corretas e baseadas em evidências, para poderem tomar decisões informadas sobre seus próprios corpos e seus bebês. Embora, de maneira geral, as mulheres concordam que elas deveriam ter autonomia entre escolher a cesárea e o parto normal, 69% dizem que acabam seguindo a decisão do médico e isto mostra que ao longo do pré-natal é muito fácil desencorajar uma mulher e levá-la para uma cesárea sem necessidade. Obstetras homens têm uma tendência maior em oferecer cesáreas eletivas, enquanto obstetras mulheres, sobretudo as que tiveram parto normal e uma boa experiência, têm a tendência de apoiarem e incentivarem mais a paciente a ter parto normal.
Além disso, a taxa de cesáreas no nosso país é três vezes maior do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugere uma taxa ideal entre 10% e 15%. É sabido que cesáreas salvam vidas, principalmente em gestações de alto risco, porém fazer da cesárea a única via possível de nascimento pode trazer um efeito contrário. Em 2020, a mortalidade materna global foi estimada em 287 mil mortes, com o Brasil contribuindo significativamente para esse número, somando 71.879. Essa prática excessiva de cesáreas muitas vezes é baseada na necessidade do médico e não em uma real indicação médica.
A cesárea é uma cirurgia e que, portanto, deveria ser reservada aos casos realmente necessários, mas o que acontece diariamente é que mulheres são empurradas para uma cesárea por medo e desinformação.
Para promover a segurança e qualidade no parto, a OMS desenvolveu o “WHO Safe Childbirth Checklist”, um guia que contém a indicação de práticas essenciais no parto para redução de complicações. Pesquisas mostram que o uso desse checklist aumenta significativamente a probabilidade de tratamentos adequados com cuidados preventivos como o controle de infecções e o tratamento de pré-eclâmpsia, por exemplo.
A humanização do parto não inventou um modo novo de se nascer, mas traz luz para a importância de uma assistência baseada em evidências científicas, relembra a necessidade de incluir a pessoa gestante na tomada de decisões e convida as mulheres a refletirem do porquê o parto não precisa ser tão medicalizado e repleto de intervenção sem embasamento científico. E é no pré-natal que o parto acontece, o nascimento é a cereja do bolo. Portanto, é obrigação de quem assiste esta gestante muni-la de informação. Além disso, é vital que as queixas das gestantes sejam ouvidas e respondidas com seriedade. Muitas relatam que suas preocupações não foram levadas a sério, e isso não pode continuar. Atender e validar essas queixas é crucial para melhorar os desfechos obstétricos e garantir que cada mulher tenha a melhor experiência possível.
Vamos juntos transformar essa narrativa e celebrar a força da mulher ao trazer novas vidas ao mundo!
-
¹ World Health Organization (WHO). Statement on Cesarean section rates, 2015.
² Loke A. Y., Davies L., & Mak Y. Is it the decision of women to choose a cesarean section as the mode of birth? A review of literature on the views of stakeholders, 2020.
³ Projeto "Nascer no Brasil". Inquérito Nacional sobre Parte e Nascimento, 2012.
⁴ World Health Organization (WHO). Trends in the maternal mortality, 2024.
⁵ WHO. Safe Childbirth Checklist Implementation Guide, 2015.
⁶ Tolu, Lemi Belay; Jeldu, Wondimu Gudu; Feyissa, Garumma Tolu. Effectiveness of utilizing the WHO safe childbirth checklist on improving essential childbirth practices and maternal and perinatal outcome: A systematic review and meta-analysis, 2020.
⁷ Mackintosh, N.; Rance, S.; Carter, W.; Sandall, J. Working for patient safety: A qualitative study of women’s help-seeking during acute perinatal events, 2017.
© 2024 Dr. Paulo Noronha. Todos os direitos reservados.